Darandina revisteletrônica é uma publicação dos alunos do Programa de Pós-graduação em Letras: Estudos Literários, da Universidade Federal de Juiz de Fora-MG.

Seja bem-vindo ao nosso blog!

Este é um espaço para livros, música, cinema e afins.
Quer participar? Comente. Envolva-se. Envie material. Entre em contato.


terça-feira, 30 de setembro de 2008

Jornada Jacques Derrida


Programação de Atividades


Local: Fale - UFMG (auditório 1007, salas 2001 e 2002)

Data: 14 de outubro de 2008, terça-feira:


9:00 horas: Palestra: Prof. Dr. Evando Nascimento (UFJF)


10:00 horas: Intervalo10:30 horas: Mesa Redonda: "Atos de leitura de Jacques Derrida" Prof. Dr. Alcides Cardoso dos Santos (UNESP) Profa. Dra. Maria Antonieta Pereira (UFMG)


12:00 horas: Intervalo para almoço


14:00 horas: Mesa Redonda: "Atos de Literatura de Jacques Derrida" Profa. Dra. Maria Clara Castellões de Oliveira (UFJF) Prof. Dr. Rafael Haddock-Lobo (USP) Prof. Dr. Luiz Fernando Ferreira Sá (UFMG)


15:30 horas: Sessões paralelas de comunicação


17:00 horas: Intervalo


17:30 horas: Mesa Redonda: "Jacques Derrida: Leituras em Rede" Profa. Dra. Paula Glenadel Leal (UFF) Prof. Dr. Luiz Fernando M. de Carvalho (UVRV) Prof. Dr. Marcelo Chiaretto (UFMG)


19:00: Intervalo


19:30 horas: Palestra: Profa. Dra. Eneida Maria de Souza (UFMG)


21:30 horas: Lançamento dos livros Dez anos formando leitores: literatura, política e teorias de rede, do Programa A tela e o texto, Retrato Desnatural, de Evando Nascimento, Derrida e o labirinto de inscrições, de Rafael Haddock-Lobo, e de outras publicações. Exibição de vídeos e filmes documentários sobre Jacques Derrida.


Data: 15 de outubro de 2008, quarta-feira:


Mini-curso"Jacques Derrida: filosofia e literatura"Prof. Dr. Evando Nascimento (UFJF)


14:00 - 18:00 (Auditório 1007)


Resumo do mini-curso: Pretendemos abordar as relações entre filosofia e literatura no pensamento de Jacques Derrida. Trata-se de uma introdução ao que ficou conhecido sob o nome de "desconstrução", levando-se em conta o contexto francês em que surge. Serão abordadas algumas referências de Derrida, como Heidegger, Nietzsche e Freud, bem como os autores franceses com que dialogou, tais como Lévi-Strauss, Foucault e Deleuze. Por fim, aponta-se o interesse da obra derridiana para os estudos literários e filosóficos do século XXI. Temas contemplados: "O que é desconstrução"; "Derrida e a literatura; o texto literário e a desconstrução; o 'segredo divulgado' da literatura"; "Contemporaneidade do pensamento derridiano; a ética da desconstrução".

Inscrições


Valor Jornada: R$10,00 com certificado de participação e/ou de apresentação de trabalho.Valor


Mini-Curso: R$10,00 com certificado.


(Integrantes do Programa A tela e o texto não pagam inscrição)


As inscrições para participação deverão ser feitas no gabinete 4012, 4º andar, Faculdade de Letras da UFMG, a partir de 02 de setembro.Horário:Segunda-feira e quarta-feira: de 13 às 17 horas. Terça-feira: de 19 às 22 horas.Quinta-feira e sexta-feira: de 08 às 12 horas.


Envio dos resumos: Os interessados em apresentar Comunicação deverão enviar os resumos para o e-mail: saluiz@terra.com.br até o dia 04 de outubro.Formato: Times New Roman, fonte 12, espaço 1,5, até 400 palavras, contendo as seguintes informações: Título do trabalho, nome completo do autor, departamento/ instituição em que está vinculado e e-mail para contato.


Maiores informações:(31) 3409-6054 E-mail: telatexto@gmail.com

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Leitura para Oswaldo Martins

Em um misto de Cipriano Algor, que resolve "pular fora" da Caverna, e de cover mal feito de Hobsbawm, que resolve escrever um livro chamado "A Era das Bizarrices", transcrevo aqui um trecho do genial Eduardo Galeano, que diz tudo sobre o nosso Brave New World:
"Aqui na terra, Picasso é o nome do próximo modelo dos automóveis Citroen, e O grito, quadro de Edward Munch, esse alarido de um artista atormentado pelo que pressentia sobrevir, foi reciclado pela publicidade para um relançamento dos automóveis Pontiac. Em Berlim, acaba de completar seu primeiro aninho de vida um bem-sucedido shopping center chamado Salvador Allende, de oito mil metros quadrados, numa rua que se chama Pablo Neruda".
(GALEANO, Eduardo. O teatro do bem e do mal. Porto Alegre: L&PM, 2008, p. 115)
Ou, como diriam dois dos meus filósofos preferidos:
"O futuro me preocupa, porque é o lugar onde penso passar o resto de minha vida".
(Woody Allen)
"As trevas às favas".
(André Capilé)
E a "imprensa" continua preocupada com o "nervosismo" do mercado... E com o meu, ninguém se preocupa? Ah, ME POUPA!!! Ou melhor, POUPE-ME - caso contrário, vão dizer que eu "não sei português"...

domingo, 28 de setembro de 2008

Homenagem

Hoje, 29 de Setembro de 2008, faz exatamente 100 anos que Machado de Assis nos deixou. E o blog da Darandina não pode deixar de prestar-lhe uma "microscópica" homenagem: postamos aqui o conto intitulado "Conto de Escola" - publicado no livro Várias Histórias - e esperamos que todos os nossos visitantes possam, lendo essas linhas, juntar-se a nós nessa saudosa (co) memoração!
Aproveitamos, também, a oportunidade para convidar os nossos leitores a participar do mini-curso sobre Machado que será ministrado pelas nossas queridas amigas/professoras Maria Luiza Scher e Terezinha Scher nos dias 15, 16 e 17 de outubro, na Faculdade de Letras da UFJF, entre 18:30 e 20:00. Em tempo, o mini-curso é um dos eventos que compõem a 1ª Semana de Letras da FALE, programada para ocorrer entre os dias 13 e 17 de outubro nas dependências da própria faculdade. Participe!

Conto de Escola

A ESCOLA era na Rua do Costa, um sobradinho de grade de pau. O ano era de 1840. Naquele dia - uma segunda-feira, do mês de maio - deixei-me estar alguns instantes na Rua da Princesa a ver onde iria brincar a manhã. Hesitava entre o morro de S. Diogo e o Campo de Sant'Ana, que não era então esse parque atual, construção de gentleman, mas um espaço rústico, mais ou menos infinito, alastrado de lavadeiras, capim e burros soltos. Morro ou campo? Tal era o problema. De repente disse comigo que o melhor era a escola. E guiei para a escola. Aqui vai a razão.
Na semana anterior tinha feito dous suetos, e, descoberto o caso, recebi o pagamento das mãos de meu pai, que me deu uma sova de vara de marmeleiro. As sovas de meu pai doíam por muito tempo. Era um velho empregado do Arsenal de Guerra, ríspido e intolerante. Sonhava para mim uma grande posição comercial, e tinha ânsia de me ver com os elementos mercantis, ler, escrever e contar, para me meter de caixeiro. Citava-me nomes de capitalistas que tinham começado ao balcão. Ora, foi a lembrança do último castigo que me levou naquela manhã para o colégio. Não era um menino de virtudes.
Subi a escada com cautela, para não ser ouvido do mestre, e cheguei a tempo; ele entrou na sala três ou quatro minutos depois. Entrou com o andar manso do costume, em chinelas de cordovão, com a jaqueta de brim lavada e desbotada, calça branca e tesa e grande colarinho caído. Chamava-se Policarpo e tinha perto de cinqüenta anos ou mais. Uma vez sentado, extraiu da jaqueta a boceta de rapé e o lenço vermelho, pô-los na gaveta; depois relanceou os olhos pela sala. Os meninos, que se conservaram de pé durante a entrada dele, tornaram a sentar-se. Tudo estava em ordem; começaram os trabalhos.
- Seu Pilar, eu preciso falar com você, disse-me baixinho o filho do mestre.
Chamava-se Raimundo este pequeno, e era mole, aplicado, inteligência tarda. Raimundo gastava duas horas em reter aquilo que a outros levava apenas trinta ou cinqüenta minutos; vencia com o tempo o que não podia fazer logo com o cérebro. Reunia a isso um grande medo ao pai. Era uma criança fina, pálida, cara doente; raramente estava alegre. Entrava na escola depois do pai e retirava-se antes. O mestre era mais severo com ele do que conosco.
- O que é que você quer?
- Logo, respondeu ele com voz trêmula.
Começou a lição de escrita. Custa-me dizer que eu era dos mais adiantados da escola; mas era. Não digo também que era dos mais inteligentes, por um escrúpulo fácil de entender e de excelente efeito no estilo, mas não tenho outra convicção. Note-se que não era pálido nem mofino: tinha boas cores e músculos de ferro. Na lição de escrita, por exemplo, acabava sempre antes de todos, mas deixava-me estar a recortar narizes no papel ou na tábua, ocupação sem nobreza nem espiritualidade, mas em todo caso ingênua. Naquele dia foi a mesma coisa; tão depressa acabei, como entrei a reproduzir o nariz do mestre, dando-lhe cinco ou seis atitudes diferentes, das quais recordo a interrogativa, a admirativa, a dubitativa e a cogitativa. Não lhes
punha esses nomes, pobre estudante de primeiras letras que era; mas, instintivamente, dava-lhes essas expressões. Os outros foram acabando; não tive remédio senão acabar também, entregar a escrita, e voltar para o meu lugar.
Com franqueza, estava arrependido de ter vindo. Agora que ficava preso, ardia por andar lá fora, e recapitulava o campo e o morro, pensava nos outros meninos vadios, o Chico Telha, o Américo, o Carlos das Escadinhas, a fina flor do bairro e do gênero humano. Para cúmulo de desespero, vi através das vidraças da escola, no claro azul do céu, por cima do morro do Livramento, um papagaio de papel, alto e largo, preso de uma corda imensa, que bojava no ar, uma cousa soberba. E eu na escola, sentado, pernas unidas, com o livro de leitura e a gramática nos joelhos.
- Fui um bobo em vir, disse eu ao Raimundo.
- Não diga isso, murmurou ele.
Olhei para ele; estava mais pálido. Então lembrou-me outra vez que queria pedir-me alguma cousa, e perguntei-lhe o que era. Raimundo estremeceu de novo, e, rápido, disse-me que esperasse um pouco; era uma coisa particular.
- Seu Pilar... murmurou ele daí a alguns minutos.
- Que é?
- Você...
- Você quê?
Ele deitou os olhos ao pai, e depois a alguns outros meninos. Um destes, o Curvelo, olhava para ele, desconfiado, e o Raimundo, notando-me essa circunstância, pediu alguns minutos mais de espera. Confesso que começava a arder de curiosidade. Olhei para o Curvelo, e vi que parecia atento; podia ser uma simples curiosidade vaga, natural indiscrição; mas podia ser também alguma cousa entre eles. Esse Curvelo era um pouco levado do diabo. Tinha onze anos, era mais velho que nós.
Que me quereria o Raimundo? Continuei inquieto, remexendo-me muito, falando-lhe baixo, com instância, que me dissesse o que era, que ninguém cuidava dele nem de mim. Ou então, de tarde...
- De tarde, não, interrompeu-me ele; não pode ser de tarde.
- Então agora...
- Papai está olhando.
Na verdade, o mestre fitava-nos. Como era mais severo para o filho, buscava-o muitas vezes com os olhos, para trazê-lo mais aperreado. Mas nós também éramos finos; metemos o nariz no livro, e continuamos a ler. Afinal cansou e tomou as folhas do dia, três ou quatro, que ele lia devagar, mastigando as idéias e as paixões. Não esqueçam que estávamos então no fim da Regência, e que era grande a agitação pública. Policarpo tinha decerto algum partido, mas nunca pude averiguar esse ponto. O pior que ele podia ter, para nós, era a palmatória. E essa lá estava, pendurada do portal da janela, à direita, com os seus cinco olhos do diabo. Era só levantar a mão, despendurá-la e brandi-la, com a força do costume, que não era pouca. E daí, pode ser que alguma vez as paixões políticas dominassem nele a ponto de poupar-nos uma ou outra correção. Naquele dia, ao menos, pareceu-me que lia as folhas com muito interesse; levantava os olhos de quando em quando, ou tomava uma pitada, mas tornava logo aos jornais, e lia a valer.
No fim de algum tempo - dez ou doze minutos - Raimundo meteu a mão no bolso das calças e olhou para mim.
- Sabe o que tenho aqui?
- Não.
- Uma pratinha que mamãe me deu.
- Hoje?
- Não, no outro dia, quando fiz anos...
- Pratinha de verdade?
- De verdade.
Tirou-a vagarosamente, e mostrou-me de longe. Era uma moeda do tempo do rei, cuido que doze vinténs ou dous tostões, não me lembro; mas era uma moeda, e tal moeda que me fez pular o sangue no coração. Raimundo revolveu em mim o olhar pálido; depois perguntou-me se a queria para mim. Respondi-lhe que estava caçoando, mas ele jurou que não.
- Mas então você fica sem ela?
- Mamãe depois me arranja outra. Ela tem muitas que vovô lhe deixou, numa caixinha; algumas são de ouro. Você quer esta?
Minha resposta foi estender-lhe a mão disfarçadamente, depois de olhar para a mesa do mestre. Raimundo recuou a mão dele e deu à boca um gesto amarelo, que queria sorrir. Em seguida propôs-me um negócio, uma troca de serviços; ele me daria a moeda, eu lhe explicaria um ponto da lição de sintaxe. Não conseguira reter nada do livro, e estava com medo do pai. E concluía a proposta esfregando a pratinha nos joelhos...
Tive uma sensação esquisita. Não é que eu possuísse da virtude uma idéia antes própria de homem; não é também que não fosse fácil em empregar uma ou outra mentira de criança. Sabíamos ambos enganar ao mestre. A novidade estava nos termos da proposta, na troca de lição e dinheiro, compra franca, positiva, toma lá, dá cá; tal foi a causa da sensação. Fiquei a olhar para ele, à toa, sem poder dizer nada.
Compreende-se que o ponto da lição era difícil, e que o Raimundo, não o tendo aprendido, recorria a um meio que lhe pareceu útil para escapar ao castigo do pai. Se me tem pedido a cousa por favor, alcançá-la-ia do mesmo modo, como de outras vezes, mas parece que era lembrança das outras vezes, o medo de achar a minha vontade frouxa ou cansada, e não aprender como queria, - e pode ser mesmo que em alguma ocasião lhe tivesse ensinado mal, - parece que tal foi a causa da proposta. O pobre-diabo contava com o favor, - mas queria assegurar-lhe a eficácia, e daí recorreu à moeda que a mãe lhe dera e que ele guardava como relíquia ou brinquedo; pegou dela e veio esfregá-la nos joelhos, à minha vista, como uma tentação... Realmente, era bonita, fina, branca, muito branca; e para mim, que só trazia cobre no bolso, quando trazia alguma cousa, um cobre feio, grosso, azinhavrado...
Não queria recebê-la, e custava-me recusá-la. Olhei para o mestre, que continuava a ler, com tal interesse, que lhe pingava o rapé do nariz. - Ande, tome, dizia-me baixinho o filho. E a pratinha fuzilava-lhe entre os dedos, como se fora diamante... Em verdade, se o mestre não visse nada, que mal havia? E ele não podia ver nada, estava agarrado aos jornais, lendo com fogo, com indignação...
- Tome, tome...
Relancei os olhos pela sala, e dei com os do Curvelo em nós; disse ao Raimundo que esperasse. Pareceu-me que o outro nos observava, então dissimulei; mas daí a pouco deitei-lhe outra vez o olho, e - tanto se ilude a vontade! - não lhe vi mais nada. Então cobrei ânimo.
- Dê cá...
Raimundo deu-me a pratinha, sorrateiramente; eu meti-a na algibeira das calças, com um alvoroço que não posso definir. Cá estava ela comigo, pegadinha à perna. Restava prestar o serviço, ensinar a lição e não me demorei em fazê-lo, nem o fiz mal, ao menos conscientemente; passava-lhe a explicação em um retalho de papel que ele recebeu com cautela e cheio de atenção. Sentia-se que despendia um esforço cinco ou seis vezes maior para aprender um nada; mas contanto que ele escapasse ao castigo, tudo iria bem.
De repente, olhei para o Curvelo e estremeci; tinha os olhos em nós, com um riso que me pareceu mau. Disfarcei; mas daí a pouco, voltando-me outra vez para ele, achei-o do mesmo modo, com o mesmo ar, acrescendo que entrava a remexer-se no banco, impaciente. Sorri para ele e ele não sorriu; ao contrário, franziu a testa, o que lhe deu um aspecto ameaçador. O coração bateu-me muito.
- Precisamos muito cuidado, disse eu ao Raimundo.
- Diga-me isto só, murmurou ele.
Fiz-lhe sinal que se calasse; mas ele instava, e a moeda, cá no bolso, lembrava-me o contrato feito. Ensinei-lhe o que era, disfarçando muito; depois, tornei a olhar para o Curvelo, que me pareceu ainda mais inquieto, e o riso, dantes mau, estava agora pior. Não é preciso dizer que também eu ficara em brasas, ansioso que a aula acabasse; mas nem o relógio andava como das outras vezes, nem o mestre fazia caso da escola; este lia os jornais, artigo por artigo, pontuando-os com exclamações, com gestos de ombros, com uma ou duas pancadinhas na mesa. E lá fora, no céu azul, por cima do morro, o mesmo eterno papagaio, guinando a um lado e outro, como se me chamasse a ir ter com ele. Imaginei-me ali, com os livros e a pedra embaixo da mangueira, e a pratinha no bolso das calças, que eu não daria a ninguém, nem que me serrassem; guardá-la-ia em casa, dizendo a mamãe que a tinha achado na rua. Para que me não fugisse, ia-a apalpando, roçando-lhe os dedos pelo cunho, quase lendo pelo tato a inscrição, com uma grande vontade de espiá-la.
- Oh! seu Pilar! bradou o mestre com voz de trovão.
Estremeci como se acordasse de um sonho, e levantei-me às pressas. Dei com o mestre, olhando para mim, cara fechada, jornais dispersos, e ao pé da mesa, em pé, o Curvelo. Pareceu-me adivinhar tudo.
- Venha cá! bradou o mestre.
Fui e parei diante dele. Ele enterrou-me pela consciência dentro um par de olhos pontudos; depois chamou o filho. Toda a escola tinha parado; ninguém mais lia, ninguém fazia um só movimento. Eu, conquanto não tirasse os olhos do mestre, sentia no ar a curiosidade e o pavor de todos.
- Então o senhor recebe dinheiro para ensinar as lições aos outros? disse-me o Policarpo.
- Eu...
- Dê cá a moeda que este seu colega lhe deu! clamou.
Não obedeci logo, mas não pude negar nada. Continuei a tremer muito. Policarpo bradou de novo que lhe desse a moeda, e eu não resisti mais, meti a mão no bolso, vagarosamente, saquei-a e entreguei-lha. Ele examinou-a de um e outro lado, bufando de raiva; depois estendeu o braço e atirou-a à rua. E então disse-nos uma porção de cousas duras, que tanto o filho como eu acabávamos de praticar uma ação feia, indigna, baixa, uma vilania, e para emenda e exemplo íamos ser castigados. Aqui pegou da palmatória.
- Perdão, seu mestre... solucei eu.
- Não há perdão! Dê cá a mão! Dê cá! Vamos! Sem-vergonha! Dê cá a mão!
- Mas, seu mestre...
- Olhe que é pior!
Estendi-lhe a mão direita, depois a esquerda, e fui recebendo os bolos uns por cima dos outros, até completar doze, que me deixaram as palmas vermelhas e inchadas. Chegou a vez do filho, e foi a mesma cousa; não lhe poupou nada, dois, quatro, oito, doze bolos. Acabou, pregou-nos outro sermão. Chamou-nos sem-vergonhas, desaforados, e jurou que se repetíssemos o negócio apanharíamos tal castigo que nos havia de lembrar para todo o sempre. E exclamava: Porcalhões! tratantes! faltos de brio!
Eu, por mim, tinha a cara no chão. Não ousava fitar ninguém, sentia todos os olhos em nós. Recolhi-me ao banco, soluçando, fustigado pelos impropérios do mestre. Na sala arquejava o terror; posso dizer que naquele dia ninguém faria igual negócio. Creio que o próprio Curvelo enfiara de medo. Não olhei logo para ele, cá dentro de mim jurava quebrar-lhe a cara, na rua, logo que saíssemos, tão certo como três e dous serem cinco.
Daí a algum tempo olhei para ele; ele também olhava para mim, mas desviou a cara, e penso que empalideceu. Compôs-se e entrou a ler em voz alta; estava com medo. Começou a variar de atitude, agitando-se à toa, coçando os joelhos, o nariz. Pode ser até que se arrependesse de nos ter denunciado; e na verdade, por que denunciar-nos? Em que é que lhe tirávamos alguma cousa?
" Tu me pagas! tão duro como osso!" dizia eu comigo.
Veio a hora de sair, e saímos; ele foi adiante, apressado, e eu não queria brigar ali mesmo, na Rua do Costa, perto do colégio; havia de ser na Rua larga São Joaquim. Quando, porém, cheguei à esquina, já o não vi; provavelmente escondera-se em algum corredor ou loja; entrei numa botica, espiei em outras casas, perguntei por ele a algumas pessoas, ninguém me deu notícia. De tarde faltou à escola.
Em casa não contei nada, é claro; mas para explicar as mãos inchadas, menti a minha mãe, disse-lhe que não tinha sabido a lição. Dormi nessa noite, mandando ao diabo os dous meninos, tanto o da denúncia como o da moeda. E sonhei com a moeda; sonhei que, ao tornar à escola, no dia seguinte, dera com ela na rua, e a apanhara, sem medo nem escrúpulos...
De manhã, acordei cedo. A idéia de ir procurar a moeda fez-me vestir depressa. O dia estava esplêndido, um dia de maio, sol magnífico, ar brando, sem contar as calças novas que minha mãe me deu, por sinal que eram amarelas. Tudo isso, e a pratinha... Saí de casa, como se fosse trepar ao trono de Jerusalém. Piquei o passo para que ninguém chegasse antes de mim à escola; ainda assim não andei tão depressa que amarrotasse as calças. Não, que elas eram bonitas! Mirava-as, fugia aos encontros, ao lixo da rua...
Na rua encontrei uma companhia do batalhão de fuzileiros, tambor à frente, rufando. Não podia ouvir isto quieto. Os soldados vinham batendo o pé rápido, igual, direita, esquerda, ao som do rufo; vinham, passaram por mim, e foram andando. Eu senti uma comichão nos pés, e tive ímpeto de ir atrás deles. Já lhes disse: o dia estava lindo, e depois o tambor... Olhei para um e outro lado; afinal, não sei como foi, entrei a marchar também ao som do rufo, creio que cantarolando alguma cousa:
Rato na casaca... Não fui à escola, acompanhei os fuzileiros, depois enfiei pela Saúde, e acabei a manhã na Praia da Gamboa. Voltei para casa com as calças enxovalhadas, sem pratinha no bolso nem ressentimento na alma. E contudo a pratinha era bonita e foram eles, Raimundo e Curvelo, que me deram o primeiro conhecimento, um da corrupção, outro da delação; mas o diabo do tambor...
FIM

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Gentil colaboração... Obrigado!

Poema sem título para um dia frio de trabalho[1].

Vanessa Soares de Paiva[2]

O cinza-claro dos dias

O cinza-frio das manhãs

Esse cinza que me esfria, me cerra os olhos, me franze a testa

E eu, frente ao papel, desisto

Frente à tela opaca, brilhante, desisto

Frente à pedra, risco possível

Metal gravado, palavras arranhadas influenciam a entonação

É preciso o registro para os que vêm, virão, que venham atestar nosso verbo encolhido de frio

E para nós, apenas o risco da escrita

[1] Esse poema faz parte de um projeto intitulado Poesia para usar.
[2] Vanessa Soares de Paiva é mestranda em Estudos Literários pela Universidade Federal de Juiz de Fora e escreve um blogue desde 2004. O link é http://vanessapaiva.blogspot.com

domingo, 21 de setembro de 2008

Para pensar...

Leia na Revista Espaço Acadêmico:

http://www.espacoacademico.com.br/088/88ozai.htm

Muito bom o texto do professor Antônio Ozaí da Silva; vale uma boa lida!

sábado, 20 de setembro de 2008

IMPERDÍVEL!!!

Pérolas. Duelos de titãs. Eventos históricos.
Qualquer definição é incapaz de dar conta do que se pode ver...

Assista no you tube a dois encontros sensacionais:

- Os reis do be-bop tocando juntos! Charlie Parker e Dizzy Gillespie em http://www.youtube.com/watch?v=wkvCDCOGzGc

- A única incursão no cinema do dramaturgo Samuel Beckett, dirigindo um pequeno filme protagonizado por ninguém menos que Buster Keaton! Está dividido em três partes:
http://www.youtube.com/watch?v=5keZfirB8gE&feature=related (parte 1)
http://www.youtube.com/watch?v=3u2DAp6fceQ (parte 2)
http://www.youtube.com/watch?v=0HacrO6-Z4g&feature=related (parte 3)

É realmente imperdível!

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Colaborações

Gostaríamos de convidar você, amigo leitor, para participar mais ativamente do blog da Darandina revisteletrônica. O espaço está aberto para você postar o seu texto! Contos ou poesias; resenhas; críticas sobre livros, filmes e músicas; notícias sobre eventos artísticos e culturais; vídeos da internet; tudo será bem vindo.

Quer trabalhar, debater e se divertir conosco? Envie uma mensagem para o e-mail darandina@gmail.com e você receberá um convite para postar suas mensagens nesse espaço virtual de conhecimento.

Até breve!

Os editores do blog